Autor: Dom Prósper Gueranger, in “O Ano Litúrgico”
Tradução: André Carezia
Evangelho (Mc 7, 31-37)
Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galiléia, atravessando a região da Decápole. Levaram então a Jesus um homem surdo e que falava com dificuldade e pediram que Jesus pusesse a mão sobre ele.
Jesus se afastou com o homem para longe da multidão; em seguida pôs os dedos no ouvido do homem, cuspiu e com a sua saliva tocou a língua dele. Depois olhou para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abra-se!”
Imediatamente os ouvidos do homem se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. Jesus recomendou com insistência que não contassem nada a ninguém. No entanto, quanto mais ele recomendava, mais eles pregavam.
Estavam muito impressionados e diziam: “Jesus faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvir e os mudos falar”.
O GÊNERO HUMANO ENFERMO — Os santos doutores nos ensinam que este homem representa todo o gênero humano, com exceção do povo judeu. Abandonado há tantíssimo tempo nas regiões tempestuosas, onde somente reinava o príncipe do mundo, experimentou os efeitos desastrosos do esquecimento em que seu Criador e Pai parece tê-lo deixado, como consequência do pecado original. Satanás, cuja astúcia pérfida o fez sair do paraíso, apoderando-se dele, se excedeu a si mesmo na escolha do meio que usou para salvaguardar sua conquista. Com tirania ladina reduziu sua vítima a um estado de mutismo e de surdez, com o que o mantém debaixo de seu poder mais seguro que se estivesse amarrado com correntes de diamante; mudo para implorar a Deus, surdo para ouvir Sua voz; os dois meios de que podia se servir para se libertar, os têm impedidos. Satanás, o adversário de Deus e do homem, pode felicitar-se. Arruinou, pode-se pensar, a última das criaturas do Todo-Poderoso, arruinou o gênero humano, sem distinção de famílias e de povos; pois até essa mesma nação, conservada pelo Altíssimo como parte escolhida em meio à deslealdade dos povos, se aproveitou de suas vantagens para renegar, com mais crueldade que todos os demais, de seu Senhor e seu Rei!
O MILAGRE — O Homem-Deus gemeu ao ver uma miséria tão extrema. E como não iria fazê-lo considerando os estragos realizados pelo inimigo neste ser escolhido? Sendo assim, levantando os olhos sempre misericordiosos de Sua santa humanidade, vê o consentimento do Pai às intenções de Sua misericordiosa compaixão; e, usando aquele poder criador que no princípio fez perfeitas todas as coisas, pronuncia como Deus e como Verbo a palavra onipotente de restauração: Éfeta! O nada, neste caso a ruína que é pior que o nada, obedece a esta voz tão conhecida; o ouvido do desafortunado se desperta; abre-se com prazer aos ensinamentos generosos da triunfante ternura da Igreja, cujas orações maternais obtiveram esta libertação; e, penetrando nele a fé, e produzindo no mesmo instante seus efeitos, sua até então travada língua volta a emitir o cântico de louvor ao Senhor, interrompido pelo pecado séculos antes.
O ENSINAMENTO — Com tudo isso, o Homem-Deus quer mais instruir aos Seus do que manifestar o poder de Sua palavra divina; quer revelar-lhes simbolicamente as realidades invisíveis produzidas por Sua graça no segredo dos sacramentos. Por isso, conduz o homem que Lhe apresentam a um local apartado, leva-o para longe dessa turba tumultuosa de paixões e de pensamentos vãos que haviam-no deixado surdo às coisas do céu: de que serviria, de fato, curá-lo se está em perigo de voltar a cair novamente, por não se acharem distantes as causas de sua enfermidade? Jesus, assegurando o futuro, coloca nos ouvidos do corpo do enfermo Seus dedos sagrados, que carregam o Espírito Santo e fazem penetrar até os ouvidos de seu coração a virtude reparadora deste Espírito de amor. Finalmente, com maior mistério ainda, posto que a verdade que se quer expressar é mais profunda, toca com a saliva de Sua boca divina esta língua que se havia feito impotente para a confissão e para o louvor; e a Sabedoria — pois é ela que está aqui misticamente — a Sabedoria que sai da boca do Altíssimo e, qual onda embriagadora, flui sobre nós a partir da carne do Salvador, abre a boca do mundo do mesmo modo que faz eloqüente a língua das crianças que ainda não sabem falar.
RITOS DO BATISMO — Também a Igreja, para nos fazer ver que o relato evangélico figurado se refere não a um homem isolado mas a todos nós, quis que os ritos do batismo de cada um de seus filhos recordem as circunstâncias da cura que acabamos de ver. Seu ministro, antes de submergir no banho sagrado o escolhido que se apresenta, deve depositar em sua língua o sal da Sabedoria, e tocar os ouvidos do neófito, repetindo a palavra que Cristo disse ao surdo-mudo: Éfeta, que significa: abre-te.
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