São Bernardo de Claraval

Autor: Dom Prósper Gueranger, in O Ano Litúrgico [1]

Tradução: André Carezia

Versão em PDF.

GLÓRIAS DE SÃO BERNARDO — “Eis aqui a Rainha, que se sentou diante de seu único Filho no festim eterno. Então, como o nardo que difunde seu perfume, Bernardo entregou sua alma a Deus.” [2] Sem dúvida foi para recompensá-lo por ter sido seu cavaleiro tão fiel, e cantador tão amante e eloqüente de todas as suas grandezas, que Maria veio buscar Bernardo durante a Oitava de sua gloriosa Assunção.

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O menológio [3] cisterciense recorda a seus filhos todos os anos a figura gloriosa e os méritos do primeiro Abade de Claraval: “No claustro se exercita maravilhosamente em jejuns, em orações, em vigílias, levando na terra uma vida toda celestial. Sem descuidar de seu trabalho de aperfeiçoamento, ocupa-se com zelo e êxito na santificação dos seus; vê-se, ademais, obrigado a apresentar-se diante do mundo. Aconselha os papas, pacifica os reis, converte os povos; extermina a heresia, abate o cisma, prega a cruzada, recusa bispados, realiza um sem número de milagres, escreve obras admiráveis e mil cartas. Aos 63 anos, quando morre, tinha fundado já 150 mosteiros, e 700 religiosos choram por ele em Claraval. O papa Alexandre III inscreveu-o no livro dos santos, e Pio VIII, em 1830, conferiu a ele o título de Doutor da Igreja Universal. Grande é o elogio, mas não exagerado.

Inumeráveis são os títulos que se deram ao que veio a Claraval para buscar, na humildade da vida monástica, o silêncio, a facilidade de fazer penitência e de rezar enquanto se aproximava a morte que o uniria a seu Deus. Ele, que procurava ser esquecido por todos, chegou a ser, para seu pesar, o homem de quem não podia prescindir seu século, ele que iria ter sobre seus compatriotas uma influência sem par, e que na história ficaria com uma das figuras mais nobres e mais atraentes da Igreja e de sua pátria. Bossuet, em um célebre panegírico, representou-o na cela estudando a cruz de Jesus, depois na cátedra sagrada e através dos caminhos da Europa, pregando essa mesma cruz. Porém, antes dele, Alexandre III o havia chamado “luz de toda a Igreja de Deus pela tocha de sua fé e de sua doutrina”; Santo Tomás de Aquino: “o eleito de Deus, a pérola, o espelho e o modelo da fé; a coluna da Igreja, o vaso precioso, a boca de ouro que embriagou todo o mundo com o vinho de sua doçura”; e São Boaventura lhe chamou “o grande contemplativo, de máxima eloqüência, cheio do espírito de sabedoria e de uma santidade eminente”; e nos estenderíamos demasiado se fôssemos citar os nomes e os elogios dos santos que o veneraram e saborearam sua doutrina “melíflua”, desde Santa Gertrudes e Santa Matilde até São Luiz Gonzaga e Santo Afonso de Ligório.

O CAVALEIRO DE NOSSA SENHORA — Mas o que de modo especial nos deve impressionar nestes dias, o que deveria bastar para dar glória a São Bernardo, é que foi cantador e cavaleiro de Nossa Senhora. “Foi, diz Bossuet, o mais fiel e o mais casto de seus filhos; o que mais honrou dentre todos os homens sua maternidade gloriosa, o que creu que devia aos seus cuidados e à sua caridade materna a influência contínua de graças que recebia de seu divino Filho”. Diz a lenda que um dia os anjos o ensinaram a Salve Rainha na Igreja de São Benigno de Dijon, e que uma vez a Virgem fez cair nos lábios dele algumas gotas do leite com que havia alimentado Jesus. Porém, seja como for, Bernardo se mostrava mais eloqüente e mais persuasivo do que nunca ao falar de Maria. Seus discursos apresentam-na a nós em todos os mistérios de nossa salvação, ocupando junto ao Senhor o posto que Eva havia tido junto a nosso primeiro pai; falou dela em termos tão ternos e comovedores, que fez vibrar o coração dos monges e das multidões que o escutavam, tão grande amor sentia por esta divina Mãe, e contribuiu poderosamente para fazê-la amada em sua nação. Seus sermões sobre a Anunciação se tornaram famosos, e os do mistério da Assunção se diriam ser posteriores à definição do dogma que tanta alegria trouxe ao mundo. Talvez seja isso o que lhe proporcionou tanta popularidade. Porque São Bernardo não é admirado somente pelos que estudam a história do século XII e se encontram com ele em tudo de grande e grave que então sucede, nem somente pelos monges e teólogos que estudam sua doutrina; São Bernardo é amado, e “o segredo de sua popularidade e do amor que se lhe tem, está no amor que ele teve a Jesus e na ternura com que amou a Maria, ternura profunda, amor ardente que nos entusiasma ainda depois de oito séculos” [4] “Jesus e Maria: dois nomes, dois amores que fundem em um só e fazem de seu coração um forno. O amor de Maria dá o movimento, e o amor de Jesus se abre nele como um lírio em seu talo. Este amor o persegue pelas sendas da Escritura, pelas montanhas ásperas da vida monástica, pela prática assídua das virtudes mais varonis, mas sempre por meio de Maria; esforça-se por cantar o Verbo acompanhando-se de Maria como de uma lira.” [5]

Depois de oito séculos, as orações que São Bernardo redigiu ou esboçou servem para que as almas rezem a Maria, para expressar-lhe sua confiança e seu amor. Repetimos-las todos os dias, valorizadas com o fervor de todos os que as pronunciaram antes de nós: a Salve Rainha, o Lembrai-vos. Não conhecemos melhor modo de honrar este grande santo, ser-lhe grato e dar-lhe graças, que repetir, seguindo seu exemplo, as orações que brotaram de seu coração e sobretudo louvar a Nossa Senhora com suas próprias palavras.

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VIDA — Bernardo nasceu em Fontaine-lez-Dijon, em 1090. Aos 16 anos se encontrou sem mãe. Pouco depois pensou em ingressar no Cister, onde o abade Stephen Harding estava desacorçoado por não ter vocações. Mas não chegou sozinho. Na Páscoa de 1112, apresentou-se com trinta parentes e amigos, a quem havia animado a abraçar a vida perfeita. Permaneceu durante três anos nesse mosteiro, entregue à oração e à mais rude penitência. Em 1115 chegou a ser abade de Claraval. A fama de sua doutrina e de sua santidade de pronto lhe trouxe postulantes em grande número; logo teve que fundar mosteiros e aceitar a reforma daqueles que solicitavam sua ajuda. Todo inteiro para todos, teve muitas vezes que deixar seu mosteiro para combater o cisma de Anacleto II na Itália, a heresia no sul da França, ou para pregar a cruzada a pedido de Eugênio III. Para este filho, que chegou a ser Papa, escreveu o tratado da Consideração, e para seus monges sua Apologia do Ideal Cisterciense, o Tratado do Amor de Deus e o Comentário ao Cântico dos Cânticos. Esgotado pelos trabalhos e lidas, consumido por excessiva penitência, acabou por fim seus dias em seu mosteiro, em 20 de agosto de 1153. Foi canonizado vinte anos depois, e declarado por Pio VIII Doutor da Igreja em 23 de julho de 1830.

ORAÇÃO A SÃO BERNARDO — Era conveniente que víssemos o mensageiro da Mãe de Deus seguir de perto sua carruagem triunfal; e, ao entrar no céu nesta oitava radiante, tu te perdes com deleite na glória daquela cujas grandezas enalteceste neste mundo. Ela nos ampara em sua corte; dirige até o Cister seus olhos maternais; em seu nome, salva mais uma vez a Igreja e defende o vigário do Esposo.

Mas neste dia nos convidas a cantar contigo para ela, a rogar-lhe, que é melhor que rezar; a homenagem que mais te agrada, ó Bernardo, é ver que nos aproveitamos de teus escritos sublimes para admirar “aquela que hoje sobe gloriosa e plena de felicidade aos habitantes do céu.”

Ainda que rutilante, o céu resplandece com novo fulgor à luz da tocha virginal. Nas alturas ressoam também a ação de graças e o louvor. Estas alegrias da pátria, não devemos fazê-las nossas em meio a nosso desterro? Sem morada permanente, buscamos a cidade à qual a Virgem bendita sobe neste momento. Cidadãos de Jerusalém, muito justo é que daqui das margens dos rios da Babilônia nos decidamos sobre isso, e dilatemos nossos corações diante do transbordamento do rio de felicidade cujas gotículas hoje saltam à terra. Nossa Rainha tomou hoje a dianteira; a acolhida esplêndida que se fez a ela nos dá confiança a nós que somos seu séquito e seus servidores. Nossa caravana, precedida da Mãe da misericórdia como advogada junto ao Juiz, seu Filho, terá boa acolhida no negócio da salvação. [6]

“Deixe de enaltecer tua misericórdia, ó Virgem Bem-aventurada, aquele que recorda haver-te invocado inutilmente em suas necessidades. Nós, servos teus, te felicitamos, sim, por todas as demais virtudes; mas em tua misericórdia nos felicitamos melhor ainda a nós mesmos. Louvamos em ti a virgindade e admiramos tua humildade; mas a misericórdia tem sabor mais doce aos miseráveis; por isso abraçamos com mais amor a misericórdia, recordamo-nos dela mais vezes, e invocamo-la sem cessar. Quem poderá examinar, ó Virgem bendita, a latitude e a longitude, a altura e profundidade de tua misericórdia? Porque sua latitude alcança até a ultima hora (aos que a invocam); sua longitude enche a terra; sua altura e sua profundidade preencheram o céu e deixaram vazio o inferno. Agora que recuperaste teu Filho e és tão poderosa quanto misericordiosa, manifesta ao mundo a graça que alcançaste nEle: alcança o perdão para o pecador, saúde para o enfermo, fortaleza aos débeis, consolo para os aflitos, amparo e proteção aos ameaçados por algum perigo, ó clementíssima, ó piedosa, ó doce Virgem Maria!” [7]

Notas

[1] A festa litúrgica de São Bernardo é no dia 20 de agosto, no meio da oitava da Assunção de Nossa Senhora, cuja festa litúrgica é no dia 15 de agosto.

[2] Paráfrase da oração de P. Condren, Veni Domine Jesu.

[3] Calendário com a biografia dos mártires e respectivas datas em que são celebrados.

[4] Dom Dominique Nogues: La Mariología de San Bernardo, p. XIV.

[5] Ibid, p. XV.

[6] São Bernardo, Primeiro Sermão sobre a Assunção.

[7] São Bernardo, Quarto Sermão sobre a Assunção.

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